Jornal do Meio Dia
7 de Setembro: Independência do Brasil foi mais complexa do que o “Grito do Ipiranga”
A imagem de Dom Pedro I às margens do Rio Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, proclamando “Independência ou morte!”, ficou marcada na memória nacional e nos livros de História. No entanto, especialistas apontam que a Independência do Brasil foi um processo muito mais amplo, complexo e coletivo do que a cena retratada em pinturas e símbolos oficiais.
Segundo o historiador Mario Marcondes, professor da Plataforma Professor Ferretto, a narrativa tradicional acaba simplificando os fatos e deixando de lado a participação de diferentes grupos sociais, como mulheres, indígenas, escravizados, libertos, camponeses, comerciantes e militares. “O Grito do Ipiranga é uma representação poderosa, mas também reducionista. A separação de Portugal envolveu disputas, batalhas e múltiplos atores”, explica o docente.
A Independência não foi um ato pacífico. Conflitos armados ocorreram em diversas regiões, como Bahia, Maranhão, Piauí e Pará, onde escravizados, libertos e camponeses participaram ativamente. Um dos episódios mais marcantes foi a Batalha de Pirajá, em novembro de 1822, na Bahia, considerada a maior da Independência. O movimento só se consolidou no estado em 2 de julho de 1823, data ainda celebrada como Dia da Independência na Bahia.
Mulheres também tiveram papel fundamental, mas foram invisibilizadas pela narrativa oficial. Entre elas, destacam-se Maria Quitéria de Jesus, que se vestiu de homem para lutar na Bahia; Maria Felipa de Oliveira, mulher negra que liderou ataques contra embarcações portuguesas; Joana Angélica, religiosa morta ao tentar impedir a invasão de um convento; e D. Leopoldina, que desempenhou papel político decisivo ao apoiar a separação de Portugal.
Outro fator relevante foi a participação de escravizados e libertos. Em algumas regiões, eles foram alistados com a promessa de liberdade, enquanto outros viram na luta uma forma de buscar reconhecimento e direitos. Apesar disso, a Independência não significou o fim da escravidão, que só foi abolida em 1888.
Para o professor Marcondes, compreender o 7 de setembro de forma mais crítica permite valorizar o papel de diferentes grupos na formação do Brasil. “A narrativa tradicional privilegia uma independência sem conflitos, feita de cima para baixo, mas a realidade foi marcada por batalhas e disputas sociais. Conhecer essa diversidade é essencial para entender o país e seus desafios atuais”, afirma.
Dois séculos após o episódio, o 7 de setembro passa a ser uma oportunidade de reflexão. Mais do que um ato heroico isolado, a data deve simbolizar a construção contínua da cidadania, da democracia e da valorização das múltiplas vozes que compõem a história do Brasil.
